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Foto do escritorMárcio Leal

Cadê o carbono que estava aqui?



Bárbara Costa*


Lembro das aulas de química na escola, quando me disseram que “tudo é carbono”. Em casa, minha mãe me mostrou o tal do “papel carbono”, que até hoje parece mágico para mim. Na graduação, o carbono se tornou mais complexo e, nas aulas de pedologia, disciplina que estuda o solo, ele ganhou sentido! Mas afinal, o que é esse tal de carbono?


O carbono é bastante discutido, especialmente quando falamos de sua forma gasosa na atmosfera, já que é um dos principais gases causadores do efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global. Simplificando, o carbono na atmosfera é o mesmo usado pelas plantas na fotossíntese, o que as faz crescer. Ao retirar o dióxido de carbono do ar, as plantas transformam esse gás em material vegetal, como as folhas. Quando essas folhas caem no solo, os microrganismos as convertem em matéria orgânica, que é o que dá vida ao solo.


Metade da matéria orgânica do solo é feita de carbono. Ela fornece nutrientes, ajuda o solo a reter água e mantém sua estrutura. Assim, por meio da vegetação, o solo atua como um ‘sumidouro’ de carbono, retirando-o da atmosfera. Portanto, quando falamos sobre o estoque de carbono orgânico do solo, que podemos chamar amigavelmente de “COS”, estamos tratando da saúde do solo.


A quantidade de COS é influenciada por diversos fatores naturais e pelo modo como usamos a terra. Regionalmente, o clima, o relevo, o tipo de solo e de vegetação, e o uso da terra têm impacto nos estoques de COS. Localmente, as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo determinam sua capacidade de reter carbono. Assim, mudanças no uso da terra afetam diretamente esses estoques.


Atividades como desmatamento, queimadas e manejo inadequado do solo liberam carbono que estava armazenado no solo para a atmosfera. Em um país cujas atividades agropecuárias ocupam 33% do território (282,5 Mha), não é possível pensar em carbono, sem pensar em práticas sustentáveis de uso da terra.


Dados do MapBiomas indicam que de 1985 a 2022, a área destinada à agricultura aumentou cerca de 42 Mha, no Brasil, e a área de pastagem, 61 Mha. Com o ritmo de desmatamento observado pelos principais programas de monitoramento do país, especialmente no Cerrado, essas taxas de conversão para agropecuária tendem a continuar altas nos próximos anos.


Em áreas de vegetação natural, os estoques de carbono são estáveis ao longo do tempo. Práticas conservacionistas na agricultura, como o plantio direto e os sistemas agroflorestais, tendem a aumentar esses estoques. Por outro lado, práticas intensivas de cultivo, com uso excessivo de maquinário, revolvimento do solo e queimadas, liberam carbono para a atmosfera.


Para manter o carbono no solo, é preciso preservar a vegetação natural e adotar práticas sustentáveis em áreas já convertidas. Isso inclui manter o solo sempre coberto, usar rotação de cultivos e consórcios/sistemas integrados, e garantir a entrada constante de biomassa e nutrientes. Tudo isso para fazer com que o carbono do solo fique no solo.


O carbono na atmosfera é um problema, contribuindo para o aquecimento global. Mas no solo, em sua forma orgânica, ele é essencial para a fertilidade do solo, retenção de água e a vida que ele suporta. O solo pode ser tanto um problema quanto uma solução para as mudanças climáticas. Práticas conservacionistas podem ajudar a retirar carbono da atmosfera e armazená-lo no solo, melhorando sua qualidade e recuperando áreas degradadas.


Globalmente, há um interesse crescente em mapear os estoques de COS, especialmente em países que compõem o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). No Brasil, os solos tropicais têm um papel fundamental nessas discussões e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) é um ponto-chave na produção e disseminação desses dados de solo para o país.


Com base no Global Soil Organic Carbon Map da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), existem 680 gigatoneladas de carbono (GtC) no solo, globalmente. A liderança nesse estoque está com a Rússia (133 GtC), seguida pelo Canadá e pelos Estados Unidos. O Brasil ocupa a 5ª posição, com um estoque de 36 GtC, correspondendo a aproximadamente 5,4% do total mundial, destacando seu potencial de sequestro de carbono do solo em um cenário de adoção de práticas conservacionistas de uso do solo.


O solo e o carbono no solo são aliados importantes. Nossas escolhas no uso da terra determinarão se o carbono será parte do problema ou da solução. E a pergunta final que ainda fica, agora no pretérito perfeito, é: “cadê o carbono que esteve aqui?”.


(*) Bárbara Costa é analista de Pesquisa no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e doutoranda em Geografia pela Universidade de Brasília (UnB)


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