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Foto do escritorMárcio Leal

Direito à aposentadoria é destaque na 1ª Conferência dos Trabalhadores da Cultura



A informalidade, a baixa remuneração e as frágeis relações trabalhistas precisam ser combatidas no setor cultural. “Para enfrentar os desafios que temos pela frente precisamos de organização”, defendeu Deryk Santana, diretor de Políticas para Trabalhadores da Cultura do Ministério da Cultura (MinC).


Ele foi um dos participantes e organizadores da 1ª Conferência Temática dos Trabalhadores da Cultura. Realizada entre os dias 22 e 24 de janeiro, em São Paulo (SP), o objetivo foi debater o futuro do trabalho no setor cultural.


Após três dias de debate, as mais de 500 pessoas participantes elegeram quatro propostas para a 4ª Conferência Nacional de Cultura, que será realizado em março, em Brasília.


O direito à aposentadoria tanto da classe artística como de profissionais que atuam nas áreas técnicas foi destaque no painel “A novidade: mundo tão desigual, tudo é tão desigual: Trabalho Decente e Seguridade Social na Cultura”.


Superintendente do Ministério do Trabalho em São Paulo, Marcus Alves de Mello mostrou exemplos de países europeus que têm regimes específicos de aposentadoria para artistas, como a França, Alemanha, Uruguai e Colômbia. Quando perguntou à plateia “se há necessidade de uma aposentadoria específica para trabalhadores da cultura”, ouviu um uníssono “sim” no auditório.


No Brasil, 2,7 milhões de trabalhadores da economia criativa são informais e trabalham sem carteira assinada, segundo dados do Observatório Itaú Cultural. São 38% de pessoas do setor que dependem de projetos financiados por editais para trabalhar e firmam contratos com tempo definido de serviço.


Madalena Rodrigues, diretora do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de Minas Gerais (SATED-MG), contou que, ao atender diariamente profissionais das artes cênicas, percebe que as condições de trabalho pioraram nos últimos anos. “Depois da pandemia, o panorama mudou mais ainda. Muitos de nós perdemos oportunidade de trabalho e nos empobrecemos muito. Quem tinha MEI, deixou de pagar os R$ 70. Muita gente está devendo.”


Ela defendeu a norma sobre o registro profissional, garantido pela Lei 6.533/1978. “O registro profissional é a única coisa que nós atores, atrizes, bailarinos, modelos, área técnica temos para dizer que somos o que somos. Foi uma conquista há 45 anos debaixo da lona do circo Bartolo, em Brasília. Estava cheio de jovens assim como agora.”


Já Guilherme Machado Dray, servidor do Ministério do Trabalho em São Paulo, prestou contas sobre o combate ao trabalho escravo na área da cultura e demonstrou dados recentes sobre acidentes de trabalho. “No setor da cultura, a gente encontra informalidade e riscos como qualquer outro que trabalha com elétrica, altura, riscos de acidente, queda. Muitas vezes a montagem de um evento tem riscos similares ao da construção civil.”


Conferência Nacional


A questão trabalhista está presente em uma das propostas aprovadas para serem levadas à Conferência Nacional:


  1. Criação e implementação do Programa Nacional de Formação e Qualificação de Cultura e Artes do Sistema Nacional de Cultura (SNC);

  2. Política Pública Nacional para os trabalhadores de cultura, artes e áreas técnicas, na qual esteja prevista a criação do Estatuto da Cultura e das Artes do Brasil;

  3. Participação e governança dos trabalhadores da cultura, das artes e áreas técnicas na construção das políticas públicas mantendo a relação tripartite (Trabalhadores, Empresários e Estado);

  4. Consolidação das leis do setor de cultura, artes e áreas técnicas com a fiscalização, governança, atualização e complementação de todas as leis existentes, com o recorte especial para a lei 6533/78, para garantir a seguridade social.


Para a ministra Margareth Menezes, a Conferência é um momento de defender o setor e oportunidade de fazer correções. “O MinC é o lugar do trabalhador da cultura e do acolhimento dessas pautas.”


O dado sobre a cultura como campo de geração de emprego e renda também foi destaque nas falas dos presentes. “Logo no primeiro discurso, falei já sobre os trabalhadores e trabalhadoras da cultura, defendendo respeito. É preciso que a sociedade nos veja dessa forma”, defendeu a ministra. “É impossível falar de Brasil sem falar de cultura e precisamos nos fazer com que a sociedade entenda que força é essa.”


Como compromisso, Margareth Menezes defendeu a nacionalização do fomento e a aproximação com o Ministério do Trabalho. “Quando a gente fala de descentralização, fala de fortalecer o Brasil como um todo. Estamos fazendo reparação nos lugares onde a Lei Rouanet teve menos fomento”, afirmou. “Eu tenho como meta que a gente estabeleça o Ministério da Cultura como direito de Estado para que não fique nesse monta e desmonta, porque isso é um prejuízo para nós.”


Cultura como direito


O diretor do MinC Deryk Santana anunciou a retomada do Vale Cultura. Em etapa de ajuste e com previsão de envio do projeto para Casa Civil em março, a meta é que o benefício chegue a 12 milhões de trabalhadores. “Queremos que o trabalhador possa cobrar Vale Alimentação e também Vale cultura, porque é um direito essencial e não podemos tratar como coisa menor.”


No momento, o Minc está buscando parcerias com empresas públicas federais e privadas para concretizar o projeto. Criado em 2012, durante o governo Dilma, a medida surgiu para popularizar e ampliar o acesso à arte no Brasil.


A aposta no Vale é uma forma de movimentar o mercado cultural. “O direito não pode ser só básico. As pessoas têm direito de consumir cultura. Se a gente consegue implementar isso, geramos uma cadeira produtiva. Imaginem quantas cidades não tem um cinema, uma livraria, um equipamento de cultura, e vão ter que ter porque terá demanda e gente com dinheiro para investir”, reforçou Deryk.


A proposta do Ministério é que o direito alcance novos públicos, como bolsistas da CAPES – que somam mais de 100 mil pessoas -, aposentados com até um salário mínimo e também beneficiários do Bolsa Família.


Escola de formação em artes


Outra novidade foi o lançamento da plataforma online Escola Solano Trindade de Formação e Qualificação Artística, Técnica e Cultural (Escult). O nome Solano Trindade foi escolhido em homenagem à cultura afrobrasileira e ao poeta pernambucano perseguido pela ditadura militar. A Escola oferecerá cursos livres, de formação inicial e continuada e pós-Graduação no setor cultural, nas áreas de audiovisual, políticas e gestões culturais, artes visuais e artes cênicas.


Desenvolvedores do Instituto Federal de Goiás apresentaram a construção da identidade visual baseada no rosto do poeta e demonstraram os recursos de acessibilidade, que contempla diferentes perfis, como TDAH, deficiência visual e dislexia.


Segurança digital


No painel “Parabolicamará – desafios do trabalho em cultura frente aos avanços tecnológicos e à inteligência artificial”, Beth Pontes, pesquisadora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, mostrou panorama sobre a relação entre Inteligência Artificial e o trabalho cultural. Ela citou alguns marcos, como em 2021, quando a Unesco emitiu uma recomendação sobre a ética da inteligência artificial.


“É preciso promover a educação para inteligência artificial e o treinamento digital para artistas e profissionais criativos. A Unesco alerta para a necessidade de conscientização e avaliação de ferramentas de IA entre as indústrias culturais para evitar o risco de concentração dos benefícios da tecnologia nas grandes indústrias da cultura” , destacou.


O exemplo mais recente dessa discussão no Brasil, é o movimento “Dublagem viva”, em que profissionais se uniram para pedir regulamentação do uso de Inteligência Artificial na atividade. Para Beth, o debate não pode mais ser evitado por trabalhadores da cultura. “O grande desafio para as políticas públicas é [se perguntar] como aproxima esses dois setores para que um não seja vomitado pelo outro, mas potencializado.”


Já o advogado César André Machado de Morais, Coordenador-Geral de Regulação de Direitos Autorais do MinC, explicou a questão dos direitos autorais em tempos de Inteligência Artificial. “Creio que todas as pessoas que trabalham com cultura precisam lidar com direitos autorais, seja na hora de reproduzir uma obra de terceiros ou de negociar remuneração, cachê.”


Segundo ele, apesar do crescimento da indústria fonográfica mundial atrelado ao streaming, profissionais da música não estão recebendo proporcionalmente ao que a indústria vem lucrando. “Há uma assimetria na relação entre as plataformas e fazedores de cultura. Isso fica cristalizado nos contratos assinados pelos criadores, porque são contratos de adesão. São como os contratos de operadores de internet, em que você não tem opção nenhuma para negociar as cláusulas. Ou você assina ou deixa de assinar. Isso é o que acontece na maioria das vezes em que um ator, uma atriz, um roteirista, um músico que precisa trabalhar.”


Morais explicitou que no campo do audiovisual inexistem royalties. Ou seja, se uma atriz assinou um contrato para uma série ou filme onde não se previa grande sucesso, mesmo se o produto estourar, o artista não receberá nada do lucro que a série ou filme gerou depois. É por isso que muitos profissionais do setor defendem a regulação.


No caso do ChatGPT, o advogado explica que os direitos autorais ficam em uma seara ainda mais complicada onde as noções de autoria se tornam nebulosas. “O Chat GPT, para funcionar com o nível de sofisticação de hoje, precisou minerar milhões de obras, textos, artigos. Não existe transparência. Nesses sistemas, ninguém sabe quais são os autores cujas obras foram utilizadas para alimentar. Por conta disso, inexiste autorização de autores para uso.”


Uma das saídas apontadas é que as empresas detentoras de IA licenciem - ou seja, paguem - para utilizar as obras, como ocorre em alguns países da União Europeia. “Outra possibilidade que vem sendo discutida no campo acadêmico fora do Brasil é a instituição de uma remuneração compensatória ou estatutária.”


Outra solução utilizada na Europa é o chamado opt-out, considerada por César desfavorável a fazedores e fazedoras de cultura. Nesse caso, autores têm a opção de pedir que suas obras sejam retiradas das bases de dados do IA. Para o advogado, essa opção inverte a lógica e desresponsabiliza as empresas, trazendo ônus apenas para os artistas.


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