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Foto do escritorMárcio Leal

Documentário investiga lucro por trás da presença infantil na Internet


No início de abril, o governo federal publicou a Resolução nº 245/2024, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que atribuiu ao poder público, famílias, sociedade e empresas a responsabilidade pela garantia e efetivação dos direitos de crianças e adolescentes em ambiente digital. A medida tem como referência a legislação brasileira de proteção integral dessa população.


O texto reforça que crianças e adolescentes têm seus direitos nesses ambientes digitais – como desenvolvimento, liberdade de expressão e exercício da cidadania – priorizados e com garantia de proteção aos seus dados. A norma ressalta também a proteção contra toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão e exploração, inclusive contra a exploração comercial.


Dentro dessa temática da proteção de crianças e adolescentes na Internet, a jornalista e diretora Nathália Braga desenvolve o documentário "Infância em Caixa". Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil de 2023, 88% das crianças e adolescentes no Brasil têm contas nas redes sociais.


O filme investiga como crianças influenciadoras movimentam um mercado lucrativo para plataformas de tecnologia e a publicidade, mas com uma série de riscos à saúde mental e à privacidade. Dois dos pontos abordados pela Resolução nº 245 são exatamente a conscientização sobre os impactos da Internet em crianças e adolescentes, além da questão da privacidade e proteção de dados.


"Sou criadora de conteúdo há muitos anos e produzo vlogs para o YouTube desde 2016, então sempre enxerguei o universo dos influencers como profissão. Essa época de 2016 foi marcada pelo auge de canais voltados ao público infantil, tanto de youtubers mirins quanto protagonizados por adultos, como Luccas Neto", conta a diretora em entrevista exclusiva para TELA VIVA.


Segundo Nathália, "é comum que as pessoas imitem uma tendência de conteúdo, mas notei que aquilo era uma tendência de negócios, o que é muito mais profundo. São marcas, empresas de tecnologia e agências de publicidade – toda uma mobilização na indústria do entretenimento. Então eu decidi investigar esse nicho olhando para a publicidade infantil, que é proibida pelo Conanda desde 2014, e essa pesquisa se tornou o documentário."


Ela decidiu então conhecer a rotina das famílias de três influenciadores mirins e desvendar o impacto da publicidade infantil sobre a vida das crianças. "Não foi exatamente como eu esperava. Em vez de encontrar um esquema de publicidade irregular, acabei me deparando com a vulnerabilidade digital de famílias e crianças Brasil afora."


Assista ao trailer no YouTube


"Imaginei que o comportamento das famílias de youtubers mirins era muito mais intencional e consciente sobre como a indústria de influencers funciona. Na prática, a maioria dos responsáveis não faz ideia dos mecanismos de funcionamento das redes sociais, das regras sobre publicidade e, principalmente, das questões de proteção à criança e ao adolescente. Isso é muito grave porque o responsável desinformado automaticamente deixa a criança em uma situação vulnerável", explica a diretora.


A cineasta identificou ainda que as famílias não compreendem que, se a criança influenciadora cuidada por eles tem uma rotina de, por exemplo, três vídeos publicados por semana, já se trata de um caso de trabalho artístico infantil – mesmo que dentro de casa. "Os responsáveis investem em equipamentos, cenários e na divulgação do perfil da criança e apostam que a trajetória será como a de outros influencers mirins de sucesso. Para eles, é uma tentativa de garantir um futuro próspero para a criança. Porém, não podemos esquecer que muitas dessas crianças influenciadoras famosas se tornaram a principal fonte de renda da família, o que é uma enorme responsabilidade."


"Nas entrevistas, ficou nítido que redes sociais como o Instagram, YouTube e TikTok não se comunicam com pais e cuidadores de forma acessível e transparente. E diversos especialistas, como os do Instituto Alana, deixam claro que as famílias nunca terão o mesmo poder de decisão que as marcas e empresas de tecnologia", ressalta Nathália.


Problemas alarmantes


Entre os principais problemas, é comum que crianças utilizem as redes sociais por meio de um perfil falso, isto é, mentindo sobre sua verdadeira idade. "Atualmente, uma discussão muito forte é sobre como as redes sociais podem ativar mecanismos de verificação de idade e suspensão de perfis. Temos tecnologia suficiente para isso. Mesmo depois do cadastro, pela forma como a pessoa se comporta na rede social, é possível identificar que existe uma criança ali."


A diretora ainda chama a atenção para como as pessoas têm se movimentado em outros países na proteção às crianças. "Na Europa, famílias denunciaram o YouTube por coletar dados infantis para anúncios personalizados no Reino Unido e, na França, uma lei foi criada para que parte da remuneração de crianças influencers fique guardada em uma poupança até a maioridade. Somente essas denúncias coletivas e políticas públicas têm gerado mudanças no funcionamento das redes sociais."


E aponta riscos com avanço da inteligência artificial. "Crianças e adolescentes têm suas imagens compartilhadas na Internet desde cedo. Esse material audiovisual pode ser usado de forma manipuladora, para golpes, assim como a coleta a longo prazo do comportamento digital da criança também é um dado muito sensível. Temos uma geração inteira de pessoas que estão amadurecendo diante dos algoritmos de recomendação enquanto seus dados são armazenados."


Mas, para Nathália, a solução não passa por banir as crianças e adolescentes da Internet – até porque o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê o direito à comunicação, expressão e tantas outras coisas essenciais ao desenvolvimento humano. "Não podemos puni-las com exclusão quando fornecer um espaço digital seguro para elas é o nosso dever enquanto sociedade."


A cineasta vai lançar o filme completo no YouTube, com previsão de ocorrer em junho. E planeja realizar exibições gratuitas em escolas e espaços de cultura, para o que realiza campanha de financiamento coletivo até 6 de maio. "Quero exibir o documentário em escolas públicas e outros espaços populares fora da Internet – afinal, nem todo mundo tem condições de assistir a um filme sem perder o pacote de dados para o resto do mês."


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