top of page
Foto do escritorMárcio Leal

Bahia tem a primeira região árida do país



Especialistas identificaram a primeira ocorrência de região de clima árido no Brasil. O trecho de quase 6 mil km² fica no centro-norte da Bahia e abrange toda a área das cidades de Abaré, Chorrochó e Macururé, além de trechos de Curaçá, Juazeiro e Rodelas, municípios que fazem fronteira com o sertão pernambucano.


A aridez é a falta crônica de umidade no clima, indicando um desequilíbrio constante entre a oferta e a demanda de água. Ela é permanente e, por isso, é diferente da seca, que é um período temporário de condições anormalmente secas.


Maciel Ferreira, produtor rural de Chorrochó, conta que, com o clima mais quente e menos chuvas, as produções de milho, feijão e melancia quase não deram frutos em 2023. A alimentação dos animais também ficou prejudicada.


"Ano passado, esquentou bastante e praticamente não choveu. A produção não deu para nada e os preços de muitas coisas aumentaram. O saco de milho, por exemplo, era R$ 40 e agora é vendido por R$ 110. Por isso, usamos a palma para alimentar os animais", conta Ferreira.


O produtor e vizinhos lidam com outro problema: o desabastecimento de água. Ele paga cerca de R$ 200 para receber água de carros-pipa. A água é colocada na cisterna, que fica no quintal do imóvel, e, com uso consciente, dura cerca de três meses.


A prefeitura afirma que abastece a zona rural usando caminhões-pipa. Porém, não é suficiente, e muitos produtores rurais precisam pagar por abastecimentos extras.


Em Macururé, a situação não é muito diferente. A agricultora e pecuarista Maria Fátima Silva, de 54 anos, relata que as dificuldades se intensificaram em 2022, quando o clima ficou ainda mais quente.


Maria de Fátima tem um poço que bombeia água para dentro de casa. No entanto, muitos vizinhos vivem uma outra realidade, sem água encanada nos imóveis. Com as barragens mais secas, a única alternativa para muitos deles são os carros-pipa.


Com uma criação de bodes, a agricultora conta que o preço do alimento para animais subiu mais de 50%. “É muito difícil arranjar alimento para os animais e gastamos muito mais, porque temos que comprar rações. O ideal seria ter um reservatório, algum tipo de preparação para épocas de estiagem.”


Impactos e adaptação


O estudo feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou também que o avanço do semiárido vem ocorrendo num nível acentuado pelo país. Nos últimos 60 anos, a cada duas décadas, a taxa média de crescimento dessas regiões é de 75 mil km².


As consequências dessa expansão são bastantes preocupantes, pois mostram que, se nada for feito, não apenas a disponibilidade hídrica, mas também as atividades agrícolas e pecuárias do nosso país estarão ameaçadas. Segundo Javier Tomasella, pesquisador do Inpe e coordenador do estudo, o Brasil desenvolver precisa estratégias adaptativas, especialmente nas áreas urbanas e na agricultura, onde a eficiência no uso dos recursos hídricos se torna crucial.



"A adaptação a esse novo panorama climático requer a participação ativa de todos os setores econômicos e níveis governamentais. As consequências climáticas se interconectam em todo o país", afirma Tomasella.


Marcio Cataldi, professor do Departamento de Engenharia Agrícola e Ambiental da Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que o declínio na disponibilidade de água para irrigação e o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos vem prejudicando safras e a criação de animais em boa parte do Brasil, levando a uma redução na produção e, consequentemente, a um aumento nos preços dos produtos agropecuários.


"Provavelmente, isso está ocorrendo porque, além das alterações no regime de chuva e, consequentemente nas quantidades de calor e umidade destas regiões, a alteração do tipo e uso do solo, com as práticas de queimadas e de desmatamento, está acelerando processos que, naturalmente, duravam centenas ou milhares de anos, para poucas décadas", afirma Cataldi, que é autor do estudo "O Brasil está numa crise hídrica e precisa de um plano contra seca".


"Investimentos em ciência e tecnologia são essenciais para a busca e implementação de medidas que reduzam impactos socioeconômicos e criem resiliência climática. Sem investimentos em áreas estratégicas para o desenvolvimento do país, o Brasil continuará sofrendo com os efeitos dos cada vez mais frequentes eventos extremos, como secas, enchentes e ondas de calor", alerta Augusto Getirana, pesquisador da Nasa e doutor em hidrologia pela UFRJ, que também colaborou com o estudo.


Há urgência para ações integradas, incluindo medidas de monitoramento climático, investimentos em tecnologias sustentáveis, como energia solar e eólica, e a implementação do plano nacional para lidar com a crise hídrica e seus impactos socioeconômicos.


O Brasil fica em segundo lugar no ranking dos países com a maior capacidade hidrelétrica instalada do mundo: com 109.4 gigawatts. E o nosso país depende de reservatórios hidrelétricos para gerar mais de 60% da sua eletricidade. "Em um cenário de mudanças climáticas e aumento das secas, não podemos basear a economia de um país inteiro em apenas uma matriz energética, no caso, a água", afirma Getirana.


Plano de ação


O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima planeja lançar o Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAB Brasil) até setembro de 2024. O texto prevê ações para os próximos 20 anos e incluirá metas específicas de curto, médio e longo prazos, além de arranjos institucionais envolvendo diversos setores.


"O processo demandará que os diferentes setores repensem projetos de desenvolvimento para o semiárido, com medidas e investimentos para recuperação das áreas, recuperação e proteção da Caatinga e gestão das águas, como uso e revitalização das bacias hidrográficas", explica o órgão.


Haverá também reforço no diálogo com os governos da Bahia e de Pernambuco para a construção conjunta de um plano de ação para o enfrentamento da aridez. E o plano terá um sistema de monitoramento para acompanhar o progresso e fornecer resultados à sociedade.


"Só conseguiremos nos preparar para o que está por vir, do ponto de vista climático, se diminuirmos as nossas emissões e se formos capazes de criar planos de resiliência que contemplem toda a sociedade, sem exceções, já que todos, também sem exceções, poderão sofrer as graves consequências do que pode estar por vir", finaliza Cataldi.


26 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page