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Foto do escritorMárcio Leal

Instituição criada por negros libertos em Salvador completa 192 anos


A Associação Protetora dos Desvalidos (SPD), primeira organização civil negra de ajuda mútua no Brasil, completou 192 anos. Fundada em 16 de setembro de 1832, em Salvador (BA), ela surgiu para ajudar pessoas negras escravizadas a conquistar liberdade e para oferecer suporte às livres desempregadas. E, até hoje, atua na defesa dos direitos da comunidade negra e na preservação de sua história.


Desde sua criação, a instituição recebeu três denominações. Inicialmente, foi batizada de Irmandade de Nossa Senhora da Soledade Amparo dos Desvalidos, nome utilizado para se camuflar como uma instituição religiosa no período, únicos espaços possíveis para homens negros se encontrarem.


Em 1851, ao ganhar mais notoriedade na sociedade, se desvincula da conotação religiosa e passa a ser chamada de Sociedade Protetora dos Desvalidos. Hoje, para se adequar às exigências do código civil, passou a se intitular enquanto Associação Protetora dos Desvalidos, mas manteve a sigla do nome anterior - SPD - devido à sua popularidade.


A associação foi criada por Manoel Victor Serra, africano livre que vivia da comercialização de água nas imediações da Ladeira Preguiça. Junto de outros 18 africanos alforriados, Serra criou estratégias de colaboração para comprar cartas de alforria e proporcionar aos ex-escravizados condições sociais para sua autonomia, inclusive cursos de formação nos ofícios da época.


Era um período de intensa luta pela liberdade, entre a Conjuração Baiana (1797-1798) e a Revolta dos Malês, ocorrida em 1835, que visava à libertação de escravizados muçulmanos. Após a derrota da revolta, reuniões de negros foram restringidas, exceto em espaços religiosos. A SPD, então, tornou-se um espaço crucial para a articulação da população negra no Brasil do século XIX.


Em 1883, a SPD adquiriu um sobrado estilo Palacete, localizado no Largo do Cruzeiro de São Francisco, no Centro Histórico. A sede pode ser visitada no Pelourinho, na capital baiana, e reúne um acervo documental de mais de 400 livros, que datam desde a primeira fundação até os dias atuais.


Durante sua trajetória, a entidade adquiriu outros inúmeros imóveis no centro urbano de Salvador. É deles que a organização obtém suporte financeiro para a execução de suas atividades atuais, que envolvem, entre outros aspectos, previdência social, assistência médica e auxílio doença e jurídico.


Encontro com a ancestralidade


Um dos maiores atrativos da Associação é a história viva que percorre seu prédio conservado ao longo de quase dois séculos. Suas estruturas datadas do século XIX permitem ao visitante vislumbrar práticas e passos dos ancestrais escravizados. Desde o assentamento para a orixá Oxum até as rotas estratégicas que permitem fugas para casas vizinhas e ruas do Pelourinho, a SPD é uma parada obrigatória para quem busca se conectar com o passado.


"A gente está pisando onde nossos ancestrais lutaram para que pudéssemos estar aqui hoje", diz Roberta da Silva, auxiliar de administração e finanças do Fundo Baobá. "Para mim, aqui é a história do início, sabe? É uma das muitas histórias do início."


Parte da preservação do atual acervo foi possível com uma ajuda financeira de R$ 500 mil do Fundo Baobá, fundo de financiamento de projetos e causas raciais. A SPD passava por uma crise financeira quando a filósofa e escritora Sueli Carneiro, presidenta do Conselho Deliberativo do Baobá, acatou o pedido de auxílio e, pela primeira vez, o órgão fez uma doação sem edital, com dinheiro próprio.


O fortalecimento institucional foi feito com um propósito: apoios estratégicos. "O resgate, a visibilidade e a projeção da SPD reescreve a história do Brasil", defende Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá. Harvey acredita que a doação provocará outras instituições de filantropia e o próprio estado a se mover para prestar auxílio não só para a SPD, mas para associações centenárias semelhantes.


Dois séculos de luta antirracista


Hoje, a Associação Protetora dos Desvalidos conta com 57 beneficiários adimplentes (aqueles que colaboram com um valor de pelo menos R$ 10 por mês) e tem como foco fomentar o crescimento do número de integrantes. Para se associar, precisa conhecer o estatuto da casa e o regimento, além de receber a indicação de uma pessoa já pertencente à SPD.


O que começou com a ajuda a escravizados a conquistar a sua independência social e política tomou novas configurações ao longo do tempo e absorveu novas políticas antirracistas. Hoje, a associação enfrenta novos desafios: conquistar a juventude para que o seu legado seja perpetuado.


Para isso, atua com a juventude negra para apoio a vítimas de racismo, comunidades quilombolas e estudantes quilombolas e africanos, fomentando a mobilidade social e acadêmica. "Hoje nós trabalhamos com a questão dos diversos tipos de racismo, o ambiental, o racial e o religioso", afirma Ligia Margarida Gomes, atual diretora administrativa da associação.


Ligia relembra a que a juventude negra de periferia da Bahia possui uma grande desvantagem social e é a mais agredida pelo braço armado do Estado, daí a necessidade de promover a luta antirracista.


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