Desde o final de janeiro, publicações nas redes têm disseminado desinformação para instilar pânico em pais e educadores em relação ao novo Plano Nacional de Educação (PNE). “Querem enfiar a ideologia de gênero nas escolas” e “vão incluir o apoio ao Hamas nos livros didáticos” são exemplos de mensagens sem fundamento que têm circulado.
Além de não possuírem lastro na realidade, esses comentários ignoram o processo de tramitação do PNE — que é apresentado pelo Executivo e deve ser aprovado pelo Legislativo antes de entrar em vigor — e qual é o papel da Conae (Conferência Nacional de Educação) na sua elaboração. O Aos Fatos explica a seguir para que serve o plano e como ele é produzido.
1. O QUE É O PNE?
O Plano Nacional de Educação é um documento elaborado a cada dez anos e previsto no artigo nº 214 da Constituição Federal, que contém as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação para garantir o desenvolvimento da educação a nível federal, estadual e municipal.
O plano estabelece metas a serem alcançadas no período de dez anos, e cabe à União, aos estados e aos municípios garantir o cumprimento desses objetivos — por vezes, aprovando novas leis. Ao fim do prazo, o Executivo federal deve apresentar um novo plano, que deve ser discutido e aprovado pelo Congresso antes de ser sancionado pelo presidente da República.
Atualmente, está em vigor o PNE 2014–2024. O documento estabeleceu dez diretrizes gerais, como a erradicação do analfabetismo e a valorização dos profissionais da educação; e 20 metas específicas, que incluem a universalização do ensino e o aumento na taxa de matrículas para diferentes faixas etárias.
2. QUAL É O CAMINHO PARA O PNE SER APROVADO?
O PNE segue a tramitação padrão de um projeto de lei proposto pelo Executivo: ele é votado na Câmara e no Senado e, depois, sancionado pelo presidente da República.
O plano que está em vigor atualmente deveria ter sido aprovado em 2010, mas ficou parado no Congresso e só foi sancionado em 2014. Além do atraso no envio do texto pelo Executivo, parlamentares apreciaram 2.916 emendas apresentadas na Câmara dos Deputados e 225 propostas no Senado. Durante o período em que o novo texto foi debatido, não havia nenhum PNE em vigor.
O PNE atual também previa que o projeto válido de 2024 a 2034 deveria começar sua tramitação em 2023, o que não ocorreu. A expectativa é que o documento seja encaminhado ao Congresso ainda no primeiro semestre deste ano.
3. QUAL É O PAPEL DA CONAE NA PROPOSIÇÃO DE UM NOVO PNE?
Criada em 2010 e organizada pelo órgão autônomo Fórum Nacional de Educação (FNE), a Conferência Nacional de Educação (Conae) é um evento que reúne especialistas e organizações para discutir diferentes aspectos da educação no país. Ao final, é redigido um documento que serve como referência para o PNE.
Segundo o MEC, o objetivo do encontro é criar um espaço de diálogo que “desempenha um papel fundamental na construção do PNE, influenciando diretamente as metas e diretrizes que norteiam as políticas educacionais do país”. Já foram realizadas quatro edições: em 2010, 2014, 2018 e 2024.
Além da conferência nacional, há também etapas municipais e estaduais. Nelas, são escolhidos os representantes para o encontro a nível federal. Participam gestores, professores, conselheiros, estudantes e até pais e responsáveis por alunos, além de membros do FNE e representantes dos fóruns estaduais e distrital de educação.
A distribuição dos participantes deve atender a uma porcentagem de 50% dos representantes para a educação básica, 30% para a educação superior e 20% para a educação profissional e tecnológica.
A edição nacional de 2024 foi convocada por meio de decreto federal e ocorreu em janeiro, na UnB, em que participaram:
1.847 delegados;
204 observadores;
78 palestrantes nacionais;
200 pessoas que atuaram no apoio ao evento;
e 48 representantes de pessoas com deficiência.
Nesta edição, o Documento de Referência, que serve como ponto de partida para a discussão na Conae, recebeu mais de 8 mil emendas. Depois dos debates, a organização aprovou um texto final, que será sistematizado e enviado ao MEC para orientar a elaboração do PNE. Segundo organizações ligadas ao FNE, foram aprovados pontos como a revogação do Novo Ensino Médio e da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
Desinformação
Durante a Conae 2024 e nos dias seguintes, passaram a circular nas redes publicações que distorciam pontos aprovados ou discutidos nos encontros. Diferentemente do que afirmam algumas peças de desinformação, o Conae não é ligado ao PT ou ao governo federal. O documento final foi aprovado por meio de votação de delegados da sociedade civil que se inscreveram e foram eleitos por seus pares para compor o corpo de debatedores.
Também não é correto afirmar que o documento final aprovado pela Conae é o PNE. Conforme explicado no tópico anterior, o texto redigido na conferência serve como base para que o MEC elabore a primeira versão do plano nacional, que deverá ser discutido e aprovado pelo Congresso antes de entrar em vigor.
4. O QUE ACONTECE DEPOIS QUE O PNE É APROVADO?
De acordo com a lei 13.005, que instituiu o PNE 2014–2024, o MEC, as Comissões de Educação da Câmara e do Senado, o CNE (Conselho Nacional de Educação) e o FNE são os responsáveis por monitorar o cumprimento das metas do plano e divulgar seus resultados.
Também está previsto na legislação que cabe ao Instituo Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) publicar estudos bianuais sobre o cumprimento das metas estabelecidas pelos PNEs. O último foi publicado em 2022 e concluiu que, em seu oitavo ano de execução, o PNE tinha “35 indicadores em nível de execução menor do que 80%”, porcentagem prevista inicialmente.
Coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que agrega grupos e entidades ligadas à área, Andressa Pellanda afirma que, como se trata de uma lei, o PNE deveria ser cumprido integralmente. Isso, no entanto, nunca ocorre: levantamento da organização publicado no ano passado estima que 90% das metas do plano de 2014 a 2024 não devem ser cumpridas até o fim da vigência.
"O descumprimento do plano deve ser cobrado não só pela sociedade, mas também pelos órgãos de controle (conselhos, controladorias, ministérios públicos, tribunais de contas) e as devidas implicações administrativas e legais indicadas por tais órgãos devem ser seguidas", afirmou Andressa, em entrevista ao Aos Fatos.
O PNE pode receber alterações mesmo após sua aprovação, desde que siga os trâmites do Congresso Nacional. Um projeto de lei apresentado pela deputada Professora Dorinha (União Brasil-TO) em 2016 e aprovado no ano passado, por exemplo, acrescentou às metas do PNE 2014–2024 a estratégia adicional de elevar a escolaridade média da população de 18 para 29 anos.
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