Um manto sagrado Tupinambá que desde 1689 estava em Copenhague, na Dinamarca, voltou ao Brasil no começo de julho. A peça, que é utilizada por pajés em rituais, havia sido levada e possivelmente dada a famílias nobres ou à monarquia do país europeu.
O processo de restituição do item histórico que agora está no Museu Nacional, no Rio de Janeiro (RJ), começou ainda em 2002, a partir de pedido da comunidade Tupinambá de Olivença, em Ilhéus (BA). Em agosto do ano passado, com a atuação da embaixada brasileira, foi anunciada a devolução (chamada de "doação" pelo Museu Nacional da Dinamarca).
Os Tupinambás foram as primeiras pessoas encontradas pelos europeus ao desembarcarem no país no período colonial. Os mantos, que medem cerca de 1,80m e tem 80cm de largura, eram feitos com penas de guará, ave com plumagem vermelha, amarradas e entrelaçadas pelo cálamo (uma espécie de "caule" das penas) com tecelagem de uma trama de fios vegetais.
Outros 10 mantos retirados do Brasil estão localizados em museus europeus: há peças na Itália, na Suíça, na Bélgica e na própria Dinamarca. Em 2000, o manto já tinha visitado o Brasil para ser exposto na "Mostra do Redescobrimento", exposição realizada na capital paulista sobre os 500 anos de história do país.
Deixados de lado
O Conselho Indígena Tupinambá de Olivença (CITO) divulgou nota na última quinta-feira (11/7) afirmando que seus representantes não puderam fazer a recepção da peça, nem cuidar dela de acordo com os ritos tradicionais de seu povo.
Segundo o CITO, a chegada do manto ao Museu descumpriu acordo, firmando em maio deste ano, "que haveria uma recepção coordenada pelo povo Tupinambá ao manto, como nossos anciões orientavam, para o bem espiritual do nosso povo e do próprio manto". "Além disso, foi dito que nenhuma decisão sobre este patrimônio material e imaterial do povo Tupinambá seria tomada sem nossa consulta", destaca a nota.
Segundo a artista e antropóloga Glicéria Tupinambá, que integra o Grupo de Trabalho do Ministério dos Povos Indígenas para a recepção do manto, ele não está sendo tratado com o “cuidado cultural” que lhe é devido e a indígena só foi avisada sobre sua chegada ao país quando já estava no museu.
“Nós, do Grupo de Trabalho, iríamos tratar de como seria a recepção, para a acolhida ao manto quando chegasse. A gente não estava sabendo quando o manto chegou. Não só repatriamento institucional com embaixador e museu é necessário, mas também a presença dos rituais e cerimônias religiosas. Diferente de tratar o manto como simplesmente um objeto”, explica Glicéria.
No comunicado enviado à imprensa para anunciar a chegada do manto, a direção do Museu Nacional do RJ declarou: "Neste momento, pedimos a compreensão de todos, pois queremos organizar a apresentação do manto com todo cuidado e respeito aos saberes dos povos indígenas, com quem estamos trabalhando em harmonia e contato direto, através do Ministério dos Povos Indígenas".
Segundo informações publicadas na Imprensa, o manto passa por um descanso e será seguido por rituais indígenas e um evento de apresentação. Ele ficará exposto ao público numa sala de 100m² da Biblioteca Central do Museu Nacional, localizada na Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão. Essa será a sua casa até que as obras do palácio bicentenário, destruído por um incêndio em 2018, sejam concluídas.
Réplicas
Todos os anos, o povo Tupinambá de Olivença relembra a morte de Marcelino, líder indígena perseguido, preso e assassinado em 26 de setembro de 1937. Nessa celebração, é realizada uma marcha para a qual produzem réplicas dos antigos mantos.
A artista e professora indígena Célia Tupinambá é a primeira, em 400 anos, a produzir mantos Tupinambá que substituem os originais em rituais. "Eu vejo essa movimentação como se fosse dos próprios ancestrais querendo voltar para o seu território", explica. "Se você pensar que esses objetos são sagrados e eles estavam em uma missão, agora chegou o momento deles fazerem o retorno para seus territórios."
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