Regulamentação da reforma tributária muda lógica do financiamento cultural
- Márcio Leal
- 16 de dez. de 2024
- 4 min de leitura

Aprovado pelo Senado Federal na última quinta-feira (12/12), o Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, que regulamenta a reforma tributária, garante redução de impostos ao setor cultural, mas não reconhece as leis de incentivo fiscal para o setor - e nem para outros setores, como esportes e social.
Essa nova realidade deve mudar de forma relevante a política pública cultural brasileira, inclusive sendo uma oportunidade de implantar de forma definitiva um Sistema Nacional de Cultura nos mesmos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS), com uma articulação federativa relevante.
Como um avanço importante na proposta original, as produções artísticas, culturais, incluindo as atividades das artes cênicas e audiovisuais nacionais, obras de arte, serviços de sonorização, iluminação, figurino, serviços de apresentação e promoção de atuações artísticas, gestão de espaços, ingressos e direitos autorais, entre outros, foram incluídos na lista de alíquota reduzida em 60% do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
A ministra da Cultura Margareth Menezes celebrou a decisão. "A economia da cultura e das indústrias criativas do Brasil movimenta R$ 230,14 bilhões, equivalente a 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa potência econômica merece uma atenção especial. Por isso, estamos comemorando essa grande vitória dentro da Reforma Tributária. Agradeço aos parlamentares e entidades culturais que se uniram a nós e contribuíram para essa conquista, fruto de um esforço conjunto."
Daniella Galvão, mestre em direito tributário e advogada do Coletivo 215 (artes visuais), explicou, em audiência pública realizada em setembro passado, a necessidade de haver essa redução da alíquota. "Quando o artista plástico vende uma obra de arte, a saída da obra de arte, de uma pintura ou de uma escultura, é realizada com isenção de ICMS, não tem tributação do consumo, ela vai ser tributada pelo artista no âmbito do Imposto de Renda. Quando essa operação é praticada por uma galeria de arte, existe também o benefício do crédito presumido do ICMS. A obra entra na galeria sem ICMS por que tem isenção, e, na saída, ainda tem o crédito presumido. Com a reforma tributária, esses benefícios estarão extintos."
Incentivo fiscal
Em artigo no Valor, em junho de 2023, o presidente da Articultura Comunicação e consultor de patrocínio empresarial Yacoff Sarkovas questionava o modelo de aplicação de recursos. "O dinheiro público que movimenta nossa produção cultural percorre o tortuoso caminho do incentivo fiscal por meio da dedução de impostos federais, estaduais e municipais e sua distribuição obedece à lógica e ao interesse empresarial."
Apesar de considerar que essa distribuição é até correta sob o ponto de vista privado, ele apontava o desvio de finalidade pública. "Mas as leis de incentivos fiscais permitem a dedução integral do imposto a pagar, tornando a empresa, neste caso, mera repassadora dos recursos do Estado, despendidos sem atender objetivos coletivos e parcialmente consumidos por um sistema de intermediação que envolve aprovadores, captadores, auditores, entre outras atividades úteis e dignas no regime do mercado, mas não necessárias para o investimento público."
Apesar de não haver nenhuma manifestação pública específica sobre a questão das leis de incentivo, que levou a não serem incorporadas nessa regulamentação atual - apesar de ter tido proposta de emenda para isso -, o governo federal aparenta estar optando pelo caminho de uma maior aplicação direta de recursos pelo Estado.
"A reforma tributária, ao promover maior eficiência e simplificação, pode ter um impacto positivo no médio e longo prazo para o campo artístico e cultural, ao liberar recursos para investimentos diretos na produção e fruição", argumentam André Brayner e Cecilia Rabelo, presidente e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult), respectivamente, em artigo publicado no final de outubro no Conjur.
Eles apontam que a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional pode suprir muitas das demandas territoriais. "Esse fundo poderá ser uma fonte importante de recursos para projetos culturais em regiões de vulnerabilidade social, contribuindo para a descentralização do incentivo à produção cultural no Brasil. A cultura, nesse contexto, pode ser vista como uma ferramenta estratégica para o desenvolvimento regional, capaz de fomentar a economia criativa e gerar emprego e renda."
Brayner e Cecília ainda indicam a importância de que o setor cultural se mantenha mobilizado nos debates. "No entanto, o sucesso dessa reforma para o setor artístico e cultural dependerá de uma implementação cuidadosa, por meio da legislação atualmente em elaboração no Congresso, que leve em conta as especificidades e as necessidades do setor, especialmente como importante motor da economia do país."
A regulamentação da reforma tributária aprovada pelo Senado agora segue para a Câmara dos Deputados, onde pode sofrer novas alterações, positivas ou negativas. E depois vai para a sanção presidencial. Se houver vetos do presidente Lula, esses retornam ao Congresso para nova votação.
A legislação em tramitação não altera os incentivos fiscais relacionados ao Imposto de Renda, como a Lei Rouanet e a Lei de Incentivo ao Esporte, por exemplo. Entretanto, há expectativa de que possam ocorrer também alterações nesses incentivos.
O que é a Reforma
A reforma tributária aprovada em 2023 representa uma das mais significativas mudanças no sistema fiscal do país nas últimas décadas. A alteração constitucional, fundamentada na Emenda Constitucional nº 132, simplifica o complexo (e confuso) sistema de tributos indiretos atualmente em vigor no país.
Serão substituídos impostos federais (PIS, Cofins e IPI), estaduais (ICMS) e municipais (ISS) por um único Imposto: o IVA dual, subdividido em dois tributos, quais sejam, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) - no lugar de ICMS e IPI - e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) - no lugar dos três tributos federais.
Essa simplificação tende a reduzir a burocracia, eliminar as bitributações, promover segurança jurídica, aumentar a previsibilidade e melhorar a transparência de modo a promover um ambiente de negócios mais competitivo, devido à histórica dificuldade em gerenciar a imensa gama de tributos e obrigações acessórias incidentes sobre o consumo.
No sistema tributário atual, os impostos sobre consumo incidem integralmente sobre o valor da operação de venda em cada etapa da cadeia de circulação da mercadoria. Agora, o valor a ser tributado é a diferença entre o valor da compra e o da venda da mercadoria. Isso evita, por exemplo, que o ICMS seja aplicado sobre outros tributos que indiretamente já estavam embutidos no preço total do produto.
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